Acordar, acender um incenso, lavar o rosto, ler o jornal enquanto tomar o café da manhã. A rotina de Camila é sempre a mesma. Colocar o lixo na rua, varrer a calçada, alimentar o cachorro, levá-lo para passear no parque. Camila gosta quando faz sol durante a manhã e o vento suave permanece. Regar as plantas, lavar as roupas, estendê-las, ir para a cozinha, preparar o almoço e esperar por Murilo. Ah, Murilo! O amor entre os dois é tão bonito, moram juntos a pouco mais de dois anos, mas a sintonia entre eles é perfeita. Ele sempre gostou da forma dela de lidar com as coisas, sua maneira de organizar tudo da mesma forma e sempre com a mesma sutileza. Camila tinha algumas manias estranhas, diferentes, exóticas. Gostava da sua vida, da sua rotina, gostava de Murilo. O velho relógio de parede marcava meio dia e dois. Dois minutos haviam passado, onde estaria Murilo? Ele nunca fora de se atrasar, sabia o quanto Camila preservava cada segundo do seu dia, apesar de ser um pouco psicótica com sua rotina, ela era uma pessoa extremamente calma. Passaram-se quatro minutos após o meio dia e ele ainda não havido chegado. Sentada na mesa, Camila estava impaciente. Não conseguia aceitar o fato de que Murilo havia se atrasado, e ao perceber que iria almoçar sozinha, retirou a louça que estava sobre a mesa, e optou por não almoçar. Seu coração estava disparado, seu sangue fervia e um calor repentino aos poucos foi tomando conta dela. Raiva, ira, era o que ela sentia, mas não sabia por nunca ter sentido antes, afinal, em tanto tempo juntos era a primeira vez que ele havia se atrasado. Doze horas e quinze minutos era o que marcava o relógio quando Murilo entrou em casa. Ele estava feliz, sorriso cintilante e olhos brilhantes, podia-se sentir de longe a alegria que ele transmitia. Camila, consumida por sua raiva não deu tempo para que ele pudesse se explicar, gritou como nunca havia gritado antes, e derramava lágrimas de desilusão. Murilo saiu da casa, ligou o carro, e voltou para o trabalho decepcionado, sem entender nada, sem saber como agir, aquela situação o havia pegado de surpresa. Se sentia triste, infeliz, solitário. Sentada no sofá olhando um retrato de casal, Camila chorava inconsolavelmente, tremia, suspirava, soluçava. Porque havia agido daquela forma? Parecia tudo diferente, tudo fora do seu controle, e isso nunca havia acontecido antes. Estava arrependida, iria escrever uma carta para Murilo, e o esperaria com um bolo. Secou suas lágrimas e começou a escrever. A tarde passou vagarosamente, e logo chegou ao fim. Murilo esperava pela noite, tentaria se explicar, se reconciliar. Ele apenas queria ter feito uma surpresa à ela, já que naquele dia comemorariam três anos que estavam morando juntos, e ela entenderia quando soubesse o quanto ele correu para comprar um buquê de rosas brancas e um cd de Bach que ela tanto queria. Chegou em casa carregando os presentes, deixou as chaves sobre a mesa de canto e direcionando-se a cozinha chamava por Camila. Um lindo bolo sobre a mesa e uma carta escrita a mão em papel de carta de seda, os preferidos de sua amada. Resumidamente, na carta, Camila pedia desculpas a Murilo pela forma à qual erroniamente havia agido no almoço, explicou que não conseguia entender o motivo de sua reação, ela o amava, estava arrependida e não queria que aquilo ocorresse novamente, seria diferente e ela não agiria tanto pela rotina psicopata de sempre. Murilo não conseguia conter suas lágrimas, Camila era a mulher da sua vida definitivamente. No verso da carta ela havia escrito que era uma tola, por haver esquecido que naquele dia faziam três anos que eles moravam juntos e ela não sabia se podia conviver com aquela culpa. Murilo foi até o quarto. Deitada, Camila parecia um anjo dormindo, ele sorriu e se aproximou. Percebeu o corpo dela gelado e alguns comprimidos ao seu lado.